A situação haitiana piora de maneira mais alarmante. Vítimas do terremoto sobrevivem de 4 a 5 dias sem comida e água; a indignação de solidariedade do povo haitiano para auxiliar seus próprios conterrâneos é dispersada pelos agentes da ajuda oficial, que pedem calma para que a sua contribuição ao desastre seja o esforço único, recebida em silêncio. As tropas da ONU já se arrogaram naturalmente o oligopólio da ajuda humanitária: vão aos montes a Porto Príncipe para ajudar os haitianos a entender que eles mesmos não são capazes de se ajudar. Não estão lá como força adjunta, que se combina com o ímpeto das pessoas dispostas a trabalhar na capital. Mesmo na situação do terremoto, o organismo das Nações Unidas demonstra sua intransigência para aceitar um ressurgimento da catástrofe com caráter popular, e não oficialista.
Não há suprimentos alimentares disponíveis para todos, mesmo os trazidos externamente. Com as ruas e estradas locais bloqueadas pelos entulhos e escombros do terremoto, os aviões não conseguem escoar os produtos pelos caminhões da ONU. O que para os governos internacionais é um problema de logística, é para os haitianos ainda lacerados, enfermos ou soterrados um problema de sobrevivência: pessoas morrem nas ruas por ocasião de ossos quebrados, e até sede. Este absurdo é mantido pela conivência da administração internacional da crise (entregue totalmente às Nações Unidas), que pela salvaguarda da “segurança pública” continua protegendo os artigos de consumo privados de mercearias e supermercados através da polícia.
O exemplo criminoso dos resultados dessa linha política de ação ocorreu nesta última sexta-feira, e continuará até que os trabalhadores e o povo pobre haitiano tome nas mãos a condução eficiente de seus esforços: os suprimentos alimentares (que na verdade são barras e biscoitos energéticos em sua maioria), são levados do aeroporto de Porto Príncipe ao epicentro da tragédia através dos caminhões militares da ONU. Dois deles estacionaram ao redor de centenas de haitianos famintos e sedentos por água. Enquanto alguns guardas da brigada entregavam de dentro do caminhão esses artigos, já pobremente nutritivos em si, outros dois guardas ficavam pelo lado de fora do caminhão empurrando para trás e puxando as pessoas, algumas com crianças no colo, sem que sequer tivessem conseguido apanhar a “ajuda”. São afastados do veículo para “assegurar a ordem”.
O procedimento mais provocativo é exercido em seguida: quando a situação da lenta distribuição de alimentos fica conturbada pela razão, mais que justificada, da necessidade imperiosa que deles têm o povo pobre haitiano, os dois caminhões desertam o lugar, e dirigem-se para longe da multidão sem sequer ter atendido a todos, enquanto são perseguidos por haitianos inconformados pela humilhação a que tiveram de se submeter.
Obrigar a ordem quando a primeira necessidade é entregar absolutamente toda a remessa alimentícia da maneira mais rápida possível, e ainda por cima deixar o local sem concluir essa tarefa?!
Nesse ímpeto sujo de querer dominar e subordinar as necessidades mais elementares dos haitianos às taras morais e à defesa de seus interesses durante a operação de resgate, nessa luxúria monstruosa de carregar a situação a seu modo sem comunicar a participação dos próprios haitianos, com a idéia mesquinha de que a população só pode sobreviver pela caridade privada dos países imperialistas, a ONU apenas provoca a fúria da multidão de Porto Príncipe, principalmente por ser negada a esta a apropriação dos bens de consumo já existentes nos depósitos comerciais da capital.
A proteção da propriedade privada contribui ruinosamente com a catástrofe natural do terremoto, e fornece seu próprio golpe de mão na massa desamparada e amarrada. Há crescente polarização entre os haitianos atingidos pela trágica destruição de sua capital e agindo com a população de Porto Príncipe por seus próprios métodos e os sargentos oraculares do imperialismo atando pés e mãos da autodeterminação dos trabalhadores e do povo pobre.
Em meio à abundância, com um aparato de produção que, bem dirigido e organizado, poderia cobrir todas as necessidades atuais da humanidade, o capitalismo se mostra incapaz de suprir as contingências de uma cidade, e condena milhões de homens ao desemprego, a miseráveis prestações sociais e à fome.
Esse é o real caráter do capitalismo “democrático” norte-americano: a ditadura tirânica pelo controle dos destinos dos povos oprimidos, coloniais e semi-coloniais, em qualquer situação, que estrangula a independência das atividades de massas populares por sua própria direção, submetendo-a à burguesia “democrática” internacional. Não somos contrários a todo tipo de ajuda médico-hospitalar e alimentar durante esse momento de inimaginável sofrimento do povo haitiano, mas trata-se justamente disso: não somos contrários a ajudas reais. O auxílio real prestado pelas Nações Unidas, a comando dos EUA, afora as equipes de resgate, é mínimo.
Mais uma vez, a escassez de suprimentos alimentares é gravíssima. Mesmo na urgência pelo saneamento desta situação catastrófica os EUA jogam seu papel como em mais uma etapa até a posição de explorador exclusivo. Em entrevista coletiva à imprensa burguesa norte-americana, os três últimos presidentes estadunidenses, Bill Clinton, George W. Bush e Barack Obama, anunciaram que “entraram em coalizão em solidariedade ao Haiti” (inaugurando o fundo de ajuda Clinton-Bush), acompanhado da afirmação de Obama, “O único recurso natural que os EUA possuem é a coragem e a compaixão”. Talvez nunca um dirigente da pirataria imperialista tenha sido tão honesto: em consequencia, os americanos pilham os recursos naturais das outras regiões do mundo.
E onde se encontram as classes dirigentes capitalistas brasileiras nesse quadro? São o capacho sobre que pisam os homens acima. Poucas vezes na história um país inteiro resumiu através de suas brigadas militares o papel vergonhoso de carro alegórico do imperialismo mundial. As tropas militares da MINUSTAH ainda se encontram em território haitiano; mais militares serão enviados. Acima de todas as atitudes reacionárias do governo brasileiro, esta é até agora insuperável: de acordo com fontes da rádio CBN, o Brasil enviará ao Haiti, por ordem da segurança pública, “armas não-letais”, balas de borracha, pois, segundo a embaixadora brasileira na ONU, Maria Luisa, “nesse momento, o que se precisa é de proteção a todos”.
Balas de borracha! O Brasil carrega nas costas como um servo a reação de seu próprio tirano; humilha-se para não engrandecer os esforços heróicos do povo haitiano. A história recente não apresenta elemento mais mercenário e vergonhosamente subalterno que a burguesia brasileira.
Esses sacos de vento, esses Floriano(s) Peixoto(s), que não podem querer nada, porque não têm vontade própria, porque só desejam o que lhes é ordenado, e que são incapazes de analisar da maneira mais trivial a situação atual do Haiti e questionar o que lhes é gritado de cima – são por ora desacreditados, uma vez que ainda não têm permissão direta de cumprir aquilo que fazem melhor: serem aríetes diretos do povo. O chefe da “missão de paz” da MINUSTAH, sr. Floriano Peixoto Vieira Neto, carrega as ordens da Corte Suprema de Washington pedindo humildemente para participar da operação de segurança.
“Preferira ser uma pulga em uma ovelha,
Do que tão valente ignorância”
Além do batalhão da octogésima-segunda divisão aérea norte-americana com 700 tropas, os três navios cargueiros trazendo mais de 3,200 fuzileiros navais da costa leste, e 19 helicópteros, todos a chegar ao Haiti nos próximos dias, o patrulhamento da capital receberá a ajuda complementar dos reforços brasileiros, além dos membros da MINUSTAH já instalados. Aí está finalmente o tipo de “ajuda” que os dirigentes burgueses fornecem sem qualquer parcimônia.
Os povo haitiano precisa do envio de equipes de resgate, corpos de bombeiro, equipamentos e utensílios médicos, juntamente com a equipe preparada para tanto, e não da afluência de soldados dos quatro cantos do mundo. Queremos aqui fazer uma denúncia aberta ao reitor Fernando Costa da Unicamp, por ter a política de, ao invés de enviar equipes médicas e utensílios hospitalares ao Haiti para acudir a sua recuperação, enviar um helicóptero da universidade para fazer retornar ao Brasil os estudantes que foram para lá em atividade de campo, que cumprem o papel importante de corresponderem-se conosco diretamente in locu, e que estão agora abrigados na embaixada brasileira. As atividades, no mínimo, não são excludentes; entretanto, a direção da universidade só se presta à segunda tarefa. Isso só reforça a certeza de que para o reitor da Unicamp, a universidade não tem nada que ver com problemas extra-acadêmicos.
O capitalismo mais uma vez se mostra completamente incapaz a prosperidade das massas trabalhadoras e do povo explorado por seu regime e, sobretudo, de assegurar a paz. A sua reserva de direitos humanitários significa a proteção uniforme dos direitos imperialistas do colosso yanqui de dominar os países da América e do Caribe, condenando-os à espera da ajuda de seus punhos de aço recoberta pelas luvas das pretensões demagógicas de amizade e “democracia”.
Nós do Centro Acadêmico de Ciências Humanas da Unicamp reforçamos toda a nossa solidariedade ao povo haitiano que padece mais essas dores e humilhações adicionais pela tirania do capital internacional. Nosso grito é: retirada imediata e incondicional das tropas da MINUSTAH do Haiti! Repudiamos absolutamente a política grosseira do governo brasileiro de enviar balas de borracha e demais artefatos bélicos para auxiliar a repressão! Que os haitianos se apropriem dos artigos de consumo disponíveis em seu país que ademais só podem resultar frutos de seu trabalho durante a escravidão moderna!
Convocamos novamente todos os sindicatos, centrais sindicais, organizações estudantis, o MST e demais organizações de esquerda a uma frente única de combate contra a repressão do povo haitiano pelos governos internacionais, capitaneada pelo reacionário governo de Lula.
André, estudante de Ciências Sociais da Unicamp.
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
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