sábado, 30 de janeiro de 2010

A RECONSTRUÇÃO DO HAITI DEVE ACONTECER SEGUNDO AS MÃOS HAITIANAS!

Por André Augusto e Leonardo Rodrigues

Aconteceu a primeira sessão acerca da proposta do Plano Estratégico de Reconstrução do Haiti, cuja sede de discussão foi o Canadá, coordenada por um comitê integrado por Brasil, Haiti, República Dominicana, União Européia, Estados Unidos, Canadá, México e entidades como a ONU, a OEA e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). E a resolução medular de toda a Conferência, em que a “solidariedade” traz estampada no rosto a bandeira de países com a mais terrível seriedade, é que: o governo do Haiti estará na liderança da reconstrução de seu próprio país, mas a Organização das Nações Unidas (ONU) terá papel-chave na coordenação dos esforços de reconstrução. Com isso, a farsa da disputa de bastidores entre Brasil, EUA e União Européia pela primazia nas atividades de recuperação do Haiti ficou aparentemente em segundo plano; mas simplesmente porque atrás da cortina essa disputa ocorre mais livremente e sem platéia. O que lhe enchia o fôlego era a velha brincadeira medieval em que o servo (Brasil) aproveita cada oportunidade para fazer as vezes de mestre; para sua alegria, o mestre aceitou por ora fazer as vezes de servo.
As mesmas entidades que sugaram o tutano do país querem, portanto, mastigar seus ossos. Cavaram o abismo no Caribe; agora farfalham e gritam pelo prazer de ouvir seu próprio chiado. Nessa Conferência Preparatória Ministerial, assume-se que “os haitianos são donos de seu próprio futuro” e que “nós respeitamos a soberania haitiana, vamos envolver o povo haitiano e estaremos alinhados com as prioridades do governo do Haiti”. Tiveram muito cuidado para não trocar a frase, e envolverem o governo do Haiti alinhando-se às prioridades do povo haitiano. Sabem que não se podem atar politicamente com o povo sem alguma proteção.
O revolucionário Louis Fraina dizia corretamente que “a política das frases prepara a reação. As consignas da revolução podem ser usadas e assimiladas até por políticos integralmente burgueses: sua ação, nunca”. Para nós, o rumo da intervenção imperialista é dado. Cumpre, pois, dissecar a frase. Nós respeitamos a soberania haitiana desde que ela saiba absorver soberanamente a coordenação da Organização das Nações Unidas; desde que o vassalo afastamento de Préval seja a maior expressão da soberania do Haiti. De outro modo, caso os haitianos não queiram educar-se nesses princípios, teremos de envolver o povo haitiano e mostrar às claras as prioridades do verdadeiro governo do Haiti.
Um organismo como a ONU, que pisoteia a cabeça de paupérrimas nações conflitantes na sua mesa de diálogo e as obriga a deixar de guerrear por si mesmas e convergir em favor de uma só nação imperial, só pode existir durante a existência de um país que seja a força militar hegemonicamente imperialista e a liderança incontestável da polícia de assalto internacional. A ONU nasceu após a dissolução da fracassada Liga das Nações (1919-1946), da qual os EUA não participava; teve como berço a assinatura de sua cartilha em São Francisco, na Califórnia, em 1945. Desde lá, quatro dos cinco principais órgãos das Nações Unidas estão situadas no quartel-general da ONU, em Manhattan, cidade de Nova York (incluindo o Conselho de Segurança e o Secretariado da ONU). O Conselho de Segurança sempre conta com a presença incontornável dos EUA. França e Inglaterra, outros dois membros permanentes do Conselho, estão representados pelas tropas da MINUSTAH no Haiti. A Assembléia Geral da ONU determina o orçamento anual regular do órgão e examina a quantia proporcional com que cada membro deve contribuir. Para não ficar sobremaneira dependente do financiamento de um país, estabelece o teto da contribuição em 22% do orçamento total da ONU: os Estados Unidos é o único país que atinge o teto de 22%, seguido de longe pelo Japão com 16% do total. O comando econômico revela o comando político. Os Estados Unidos são o redator-em-chefe da ONU.
Com isso, os EUA literalmente controla todos os aspectos estruturais e financeiros da Organização das Nações Unidas, mantendo-se na liderança das “operações de paz” das tropas militares internacionais. No Haiti não é diferente: o contingente militar norte-americano sozinho é maior que a soma de todos os soldados juridicamente sob o rótulo das Nações Unidas. A sentença “a liderança da reconstrução é do Haiti, mas a coordenação é da ONU” se transforma numa tautologia: a liderança de todas as brutalidades é norte-americana. E a presença do lacaio exército brasileiro não muda a figura. O governo de Lula e os serviçais da MINUSTAH, carregando nas costas a reação de seu próprio tirano, como o mais servil dos animais, fizeram o serviço sujo que os EUA não podiam fazer na era Bush – sob pena de aumentar o anti norte-americanismo na região – porque salivava por usar a coroa imperial, mesmo que de mentira. Hoje são obrigados a reconhecer quem manda: os EUA. Deram os ombros para que os EUA subissem em cima e não pisassem com suas botas na lama; agora, os EUA dispensam os ombros e lhe paga com chutes. Aquele que gosta de ser adulado é digno do seu adulador.
Da sujeira veio e pela sujeira foi retirado. Com o afastamento subterrâneo de René Préval, colocado no governo do país com o apoio de George Bush, da execução das tarefas estatais, e com a afluência de mais de 20,000 soldados norte-americanos ademais dos soldados alegadamente sob a ONU, o capital dos EUA é o verdadeiro governo no Haiti. “Respeitar as prioridades do governo do Haiti” significa prostrar-se às prioridades do país que comanda militarmente o Haiti e que preenche com o seu capital a parte mais importante da economia dele; significa que os haitianos pagarão pelas necessidades dos EUA no Haiti.
Como, portanto, os haitianos podem tranqüilizar-se quando a Conferência declara que “respeitamos a soberania do Haiti e alinhamo-nos com as prioridades do governo do Haiti”?
“O governo haitiano está funcionando em condições precárias, mas é capaz de promover a liderança que o povo haitiano espera dele nos desafios colossais em busca do desenvolvimento”. Ninguém promove a liderança quando se encontra no estado de cabo condutor da liderança de outrem. René Préval, que desde o terremoto se refugiou em uma compacta estação de polícia, que se tornou seu quartel-general contra os olhos e os ouvidos do povo haitiano, abandonou o Haiti. O povo haitiano corretamente não demonstra nenhuma confiança nele. Não por outro motivo começaram a escavar nos escombros e arrombar as lojas para se apoderar dos artigos de consumo existentes na capital. O primeiro-ministro do Haiti, Jean-Max Bellerive, esquece que o povo não segue ventríloquos, e que os ventríloquos é que obedecem as mãos de seu manipulador.
Só acertou em que os esforços de recuperação serão “dos haitianos para os haitianos”, isto é, do povo pobre, das trabalhadoras e dos trabalhadores haitianos para eles mesmos, e o presidente Préval (e seus senhores) não tem nada que ver com isso.
Da catástrofe natural capitalista não serão libertados os trabalhadores e o historicamente oprimido povo haitiano pela mão de seus algozes. A mão que oprime e oferece a condição única miserável, já mostrou a que veio e trás consigo uma reconstrução carregada de chumbo.
A reconstrução do Haiti para os haitianos só poderá ser capitaneada por seus trabalhadores e seu povo oprimido, que têm interesses inversos aos do imperialismo e de seu governo nacional, pelo imperialismo também posto. Cabe aos revolucionários a maior solidariedade de classe com seus irmãos haitianos, tomando a causa do povo trabalhador daquele país como a causa dos trabalhadores da América Latina e do mundo.
Chamamos a todas as organizações de esquerda, sindicatos, movimentos sociais e entidades estudantis a imediata construção de uma solidariedade de classe ativa aos haitianos! Que os recursos recebidos sejam controlados e capitaneados pelos trabalhadores e pelo povo pobre haitiano! Nenhuma intervenção imperialista na reconstrução do Haiti! Que todas as tropas deixem imediatamente aquele país!

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