quinta-feira, 11 de março de 2010

PÃO E ROSAS NO HAITI

"As necessidades continuam sem ser atendidas tanto no Chile quanto no Haiti, a resposta oficial é a repressão"



Como parte da campanha que o Pão e Rosas vem desenvolvendo em diferentes países da América Latina e Caribe em solidariedade às mulheres e ao povo pobre e trabalhador do Haiti, Sofía Yañez do Pan y Rosas México, viajou à ilha caribenha com a colaboração do Pão e Rosas da Argentina, Brasil, Chile e Bolívia.

Por Sofía Yañez, enviada especial do Pan y Rosas - México
(Batey 8, Barahona, República Dominicana) A mais de 50 dias após o terremoto ocorrido no Haiti, as organizações independentes ainda lidam com a crescente escassez de recursos e as necessidades imediatas do povo haitiano.
“A fase de emergência não foi totalmente resolvida. As pessoas ainda continuam precisando de alimentos, de abrigo, de medicamentos. .. existem muitas necessidades. Nós estamos levando ajuda e brigadas médicas, mas ao mesmo tempo fazendo tudo o que está a nosso alcance para que o povo retome a dinâmica de sua situação em suas próprias mãos”, afirma Beneco Enecia, diretor do CEDESO (Centro de Desenvolvimento Sustentável), uma organização que trabalha nos bateyes* na fronteira da República Dominicana com o Haiti.

O processo de reconstrução é impensável sem o suporte feminino já que, em sua maioria, as casas já eram sustentadas por mulheres e hoje, são elas que devem fazer funcionar os albergues com os poucos recursos. “Nós temos trabalhado diretamente com elas porque conhecem a comunidade e sabem de suas necessidades específicas”, assinala Beneco. “A presença dos militares, tanto dos EUA como os da Minustah, acredito que seja negativa e contribui para vender a idéia de que o povo haitiano é violento. Eu acredito que não é assim. O que existe é uma explosão da sociedade como conseqüência de tantos anos de privação, mas a resposta não deveria ser assim, não tinham que enviar soldados porque a maneira de convencer o povo haitiano não é com baionetas. O Haiti expressou que não queria militares”.

Beneco compara a situação haitiana com a reposta do governo chileno diante do terremoto que sacudiu a nação andina no último 1º de março: “É a mesma resposta militarista que têm os governos, baseados em seu enfoque de repressão, pois como não são capazes de satisfazer as necessidades da população aproveitam de situações como estas para conter o povo pela força. E eu penso que não deve ser assim. Fortalecendo as redes sociais de cada comunidade as coisas vão bem, mas não com militares.”*Os Bateyes são as comunidades de imigrantes haitianos que se estabeleceram desde o século passado, perto dos engenhos de açúcar.


(Tradução de Babi Delatorre)

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Somos as negras do Haiti | Fora as tropas brasileiras de Lula! Fora as tropas da ONU e dos Estados Unidos!


Boletim Especial Calourada 2010
Fora as tropas brasileiras de Lula!
Fora as tropas da ONU e dos Estados Unidos!

O Haiti, um dos países mais miseráveis do mundo, atualmente é cenário de uma grande tragédia causada por um forte terremoto que atingiu o local com conseqüências catastróficas. O envio de soldados pelo Brasil e EUA é apresentado como uma suposta “ajuda humanitária”, porém, nós do grupo de mulheres Pão e Rosas, iniciamos no ano passado uma campanha chamada Somos as negras do Haiti, denunciando o verdadeiro papel das tropas da ONU, comandadas há quase seis anos pelo exército brasileiro de Lula. Passado um mês do terremoto, reafirmamos a necessidade de colocar de pé uma ampla campanha pela retirada imediata de todas as tropas presentes no Haiti, que têm significado cada vez mais repressão ao povo haitiano.

Muito se fala sobre a miséria neste país, porém, pouco é questionado a respeito de suas origens. Alguns, respaldados pela mídia, atribuem a situação do Haiti à incapacidade dos haitianos de se organizarem, colocando-os como um povo atrasado e selvagem. Mas ao buscarmos os aspectos históricos do Haiti encontraremos uma colônia francesa, escravista e explorada, a qual rendia grandes lucros à metrópole com sua larga produção de açúcar. Colônia esta, a primeira da América Latina, em 1804, a se tornar independente por meio do triunfo de uma revolução dos negros escravizados, abolindo a escravidão e estabelecendo uma república negra. Uma grande história de luta capaz de aterrorizar as nações escravocratas que passaram a temer acontecimentos semelhantes. Ao contrário do que nos faz crer a mídia, os haitianos lutaram, se organizaram e derrotaram exércitos poderosos desafiando as grandes potências da época e, justamente por isso, para que seu valioso exemplo não fosse seguido pelos demais povos explorados, sua história foi silenciada e seu grito de libertação, sufocado!

Mas o povo haitiano não se calou. Diante de tais condições desumanas de vida, organizaram diversos protestos que se intensificaram ao longo dos anos. Isto fez com que os EUA e, logo em seguida a ONU, enviassem tropas militares ao país supostamente a fim de manter a ordem “democrática” e garantir os direitos humanos. Sob este pretexto, as tropas armadas da ONU, lideradas pelo Brasil, em operação denominada MINUSTAH, seguem reprimindo, assassinando manifestantes e cometendo abusos grotescos contra a população haitiana. Afinal, sua real missão não é “de paz”, como é chamada, mas sim, cumpre a suja missão de ocupar o país, controlar uma população que vive sob condições miseráveis e, desse modo, garantir a continuação da exploração imperialista.

Sob este clima de opressão e violência vivem as mulheres haitianas, as maiores vítimas dessa ocupação. Condenadas pela pobreza e pela falta de recursos, na maioria das vezes chefes de família, chegam a fazer bolachas de barro para alimentar a si e a seus filhos. Submetidas às mais perversas violências, elas perdem seus maridos e filhos assassinados pelas tropas, quando não são elas mesmas assassinadas, além de violentadas sexualmente muitas vezes pelos próprios soldados da dita “missão de paz”, havendo inúmeras denúncias a respeito de violência sexual contra mulheres e crianças, somando, em 2006, conforme dados recentes, 35 mil mulheres e crianças, em idade entre 3 a 65 anos, violadas em dois anos. Além disso, há denúncias de redes de tráfico de mulheres e crianças e prostituição forçada em troca de moradia e alimentos. Amparadas pela impunidade por serem estrangeiras, as “forças humanitárias” seguem seus abusos sem serem punidas, acobertadas pela mídia que se omite ante os fatos, e pela própria ONU, apesar das várias denúncias de violação contra os direitos humanos.

Diante de tanto abuso e impunidade, é um crime permanecermos calados, assistindo em silêncio o massacre e o esquecimento de um povo, permitindo dessa forma que seus algozes saiam como heróis! Enquanto agrupação de mulheres, nós do Pão e Rosas, viemos não apenas declarar nossa solidariedade ao povo haitiano, mas também denunciar em alto e bom som o papel do imperialismo e das tropas, divulgar a realidade da Haiti, de suas mulheres e mostrar o processo histórico que forjou a atual situação de extrema pobreza no país.

Por tudo isso, nós do Pão e Rosas lançamos uma declaração internacional de mulheres e feministas exigindo a retirada das tropas e que os recursos recebidos sejam controlados pelas organizações operárias, populares, de mulheres, etc. A declaração já recebeu cerca de 200 adesões de 14 países da América Latina e Caribe, de agrupações e ativistas. Há poucos dias, nossa companheira Sofia Yáñez, enviada especial do Pan y Rosas México, chegou ao Haiti reafirmando: “Continuemos levantando a voz, porque as tropas têm que ir embora".

Em alguns dias, as mulheres sairão às ruas em referência ao 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Fazemos um chamado às organizações do movimento de mulheres, feministas, às organizações da esquerda e do movimento negro a fazer desse 8 de março um dia para sair às ruas em defesa das mulheres haitianas, dizendo em alto e bom som: Basta de violência contra as mulheres e o povo haitiano! Pela retirada imediata de todas as tropas! Fora as tropas de Lula! Fora as tropas da ONU e dos EUA!

PÃO E ROSAS NO HAITI e na Mídia: Crônicas de um país com cheiro de morte

PÃO E ROSAS NO HAITI e na Mídia: Crônicas de um país com cheiro de morte

Como parte da campanha que o Pão e Rosas vem desenvolvendo em diferentes países da América Latina e Caribe em solidariedade às mulheres e ao povo pobre e trabalhador do Haiti, Sofía Yañez do Pan y Rosas México, viajou à ilha caribenha com a colaboração do Pão e Rosas da Argentina, Brasil, Chile e Bolívia.
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Esta reportagem foi também publicada em pela agência CIMAC, com o título "Destacado papel das mulheres nos acampamentos haitianos".

Por SOFÍA YAÑES, enviada especial do Pan y Rosas- México
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A pouco mais de um mês do terremoto que sacudiu o Haiti, as deploráveis condições de vida das quais padecem os habitantes de Leogane não deixam dúvidas de que as penúrias aqui vêm de muito antes do dia 12 de Janeiro. Tudo o que foi dito ou escrito fica pequeno diante da impressionante realidade.

Na visita que fizemos junto a uma brigada médica em comunidades como a de Petit Rivière, se observa que a maioria da população são mulheres que chegam com seus filhos e filhas nos braços em busca de consulta médica, muitas delas com infecções vaginais e problemas gastrointestinais de seus filhos, devido à má qualidade da água e contaminação ambiental.
Aqui existem vários acampamentos dos que se consideram “pequenos”, reúnem cerca de sessenta famílias, e são organizados pelos próprios habitantes, onde a ajuda oficial simplesmente não chegou. Neles também o papel das mulheres é importante.

Joseph e Guetty, dirigentes locais, pertencentes à organização Grupo Ecológico pelo Desenvolvimento Sustentável do Haiti (Groupe Ecologique pour le Developement Durable en Haiti - GEDDH), falaram do descontentamento que existe com o governo pela falta de agilidade na ajuda. Não há escolas e as meninas e meninos que estudam devem viajar quatro horas até a mais próxima. Também não há hospitais. Em outra brigada, dirigida a três orfanatos para a divisão de fraldas e alimentos para bebês, pode-se constatar que, ainda que a ajuda quase não tenha chegado e as necessidades sejam muitas, a distribuição é absolutamente ordenada, pois quem a garante é a própria comunidade. Os voluntários participantes desta ação asseguram que decidiram fazê-la sem militares, pois eles “espantam a população com suas armas e tanques”. Isto, sem dúvida, é a clara demonstração de que os supostos distúrbios nas entregas da ajuda são causados justamente pela presença militar.

Em todo lugar se vê a miséria acompanhada da destruição que o terremoto provocou. Pessoas vivendo literalmente nas ruas, improvisando casas nos lugares mais insalubres. Um mercado que se instala temporariamente em um prédio que parece ter sido um depósito de lixo, se converteu em um dos poucos lugares onde a população pode encontrar comida e, ao mesmo tempo, se transformou em um lar para as mulheres grávidas.

Descontentamento com a presença militar

Em Puerto Príncipe só estivemos por algumas horas. Aqui toda a cidade cheira mal. Entre a sujeira, os escombros que estão sobre as ruas e o chamado “odor da morte”, a cidade se movimenta como se fosse possível a “normalidade”.
Os maiores acampamentos que se encontram aqui são também os mais vigiados pelos militares. Se diz que, de conjunto, mais de um milhão de pessoas estão vivendo em barracas em todo Haiti, em ruas e parques... Quase não há lojas pois estão destruídas e as poucas que se mantêm em pé estiveram fechadas em função dos dias de luto. Nas ruas, em muros semi-derrubados, se vê pichações eleitorais e de protesto, mas dizem que elas já existiam antes do terremoto. Muitas contra Aristide e algumas contra Preval.
O constante fluxo de caminhões, jeeps e tanques militares complementam o panorama que se assemelha ao pós-guerra. Nas ruas, até os soldados que organizam o trânsito estão armados e muitos deles fazem tudo sem tirar o dedo do gatilho.

Ainda que não tenha tido nenhum relato de grandes mobilizações de protesto ao chegarmos a um mês do terremoto, o descontentamento com a presença militar é generalizado. Isto é, sem dúvida, o que motiva as exageradas ações de controle por parte do governo e dos exércitos estrangeiros, situação que nos próximos dias poderia gerar novos levantes populares de um povo que historicamente se caracteriza pela luta incansável por seus direitos.
*Traduzido por Bruna Bastos

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

A Máscara Caiu... Identifique- se!




Publicado no Jornal PUCViva nº728 de 22/02/2010

Felipe Campos

Na primeira quinta-feira do ano letivo (11/02), o reitor Dirceu de Mello promoveu no Tucarena uma aula inaugural no período matutino e noturno para falar de "Juventude e Política". Bom, eles puderam falar... A juventude não!

Uma 1ª semana diferente para uma universidade que está diferente. Talvez por ter início uma semana antes do Carnaval, a PUC-SP estava ainda em um clima de férias e festa. Claro, com exceção dos trabalhadores terceirizados, que não sentiam esse clima, pelo contrário, muitos deles trabalharam também nesse feriado popular em jornadas extenuantes para ganhar a miséria de sempre, sendo que seus filhos e filhas poucas condições têm em estudar na universidade em que os pais trabalham.


Mas, voltando ao "clima" da PUC-SP, nos corredores do Prédio Velho entre alguns estudantes veteranos e professores, independente da posição política, o que se ouvia quase como consenso é que "a PUC-SP não é mais a mesma!". Todos se perguntavam: onde está aquela efervescência intelectual e política que sempre foi característica da universidade? Será que nós mesmos somos culpados disso? Se formos responder essas questões com o mínimo de reflexão iremos perceber que o problema está "mais em cima". Mais exatamente entre o "céu" clerical da Fundasp e a Reitoria!


Em sua aula inaugural para os calouros, o reitor Dirceu de Mello convidou dois políticos da ordem, que segundo as palavras do pró-reitor Hélio Deliberador, representavam todos os professores da casa. Então, os professores andam muito mal representados. Gabriel Chalita (PSB) e José E. Cardozo (PT), políticos da base governista, cujos partidos ano passado defenderam Sarney e todos os senadores corruptos do Congresso, legitimando e tentando salvar uma instituição de caráter antipopular onde se concentram oligarquias que detém o poder político do país a séculos desferindo ataques a toda a população, foram discursar sobre "Juventude e Política" para os novos estudantes (imagine o quanto eles têm a ensinar). Entretanto, o pior ainda estava por vir com direito a cair de vez a máscara da demagogia do atual reitor da Pontifícia.


Nessa mesma noite, dezenas de estudantes foram até a palestra, também para questionar Cardoso sobre a sua defesa, junto a Lula e seu partido, pela manutenção das Tropas Brasileiras no Haiti (sendo que até mesmo o mentor da pedagogia "Paz e Amor", Chalita, palestrante do período matutino, está em um partido que também defende as tropas militares que atuam sem paz e sem amor contra a população haitiana). Os estudantes levaram cartazes, faixas dentro de uma manifestação pacífica num ambiente de tradição democrática e de diálogo, em que sua própria arquitetura remete a isso. Porém, quando reivindicaram depois da apresentação dos convidados, uma fala em solidariedade ao povo haitiano, o reitor Dirceu de Mello ferozmente levantou, dirigiu-se aos estudantes e começou a tentar uma intimidação perguntando e gritando: "Quem está falando? Quem está falando? Identifique- se!"


Os estudantes levantaram, pediram novamente o direito a uma fala, mais do que justo numa palestra onde se discute "Juventude e Política". Mas a resposta de Dirceu foi firme e objetiva, relembrando o verdadeiro Dirceu das câmeras e catracas de 2004 e não o falso Dirceu do diálogo e da democracia de 2009: "Isso aqui não é debate é uma aula!". Ou seja, não existe diálogo, aluno não pode refletir, divergir, fazer política, apenas respeitar sua condição de aluno. Não à toa Deliberador citou Hannah Arendt no início da apresentação, teórica que defendia que o movimento estudantil norte-americano não poderia apoiar os negros que sofriam racismo nos EUA, pois estariam saindo da sua esfera de atuação na sociedade.


Talvez esse fato mostre alguns elementos para podermos pensar sobre aquelas perguntas do início do artigo. E reforce que nós, estudantes, professores e funcionários, que não nos sentimos representados por esses que dizem que nos representam, que dizem ser eleitos pelo nosso voto, comecemos a contestar permanentemente e recriar a vida política, cultural e artística dessa universidade. Os estudantes que lá foram protestar queriam dizer que o povo haitiano não precisa de tropas imperialistas e brasileiras armadas até os dentes que servem para a repressão política e social. Eles precisam de médicos, enfermeiros, alimentos e remédios nas mãos deles, não de soldados. Porém, a Reitoria da universidade prefere dar voz aos que querem a militarização do Haiti, os que fecham o aeroporto e impedem a chegada de alimentos para a população, e não aos estudantes da casa que questionam esse tipo de ideologia.


Felipe Campos é estudante de Ciências Sociais e militante do Movimento a Plenos Pulmões (LER-QI e independentes)